Já fazia algum tempo que a senhora Heliodora estava ali naquele banco. Os pés cansados depois da longa caminhada, os cabelos despenteados, as mãos pousadas no colo. As crianças corriam na praça sem prestarem atenção àquela senhora com ares de sonho. Senhora Heliodora estava elegantemente vestida com seu casaco , apesar do dia quente que fazia, e sua sempre companheira bolsa LuisVoatoa. Era uma senhora muito elegante. O que lhe faltava era memória. Sentada ali, vendo as crianças brincando, reparou numa linda menina ruiva que olhava para o alto da árvore e parecia conversar com ela! Não estranharia se isso fosse verdade, porque sempre conversava com suas flores e amava as árvores. Mas não entendia porque a linda menina ruiva não conversava com a árvore em voz mais baixa, mas aos berros, com sua vozinha de pássaro desafinado. A árvore deixava as folhas caírem feito lágrimas. E eram muitas lágrimas. Senhora Heliodora assistia a cena e tentava ouvir a resposta da árvore. Mas além da memória já fraca, também não conseguia ouvir todos os sons do mundo...
Anita tentava convencer Beto a sair dali, das alturas daqueles galhos gigantes. Mas sua voz parecia não alcançar o menino, que andava de um lado a outro, com grande equilíbrio, sem medo da altura, sem medo de nada(bem, isso é uma pequena mentira).
Senhora Heliodora, curiosa feito um gato, se aproximou de Anita, tentou ouvir a conversa. Mas o que fez foi dar um grande susto na menina, que deu um berro. Enfim, a voz de Anita alcançou Beto, que errando o passo, se desequilibrou. Agora estava ali, pendurado naquela altura, o corpo balançando pra lá e para cá. Ótimo, Anita ia rir dele até os últimos dias de vida dele...Que vergonha!
Mas Anita estava apavorada!
Senhora Heliodora enfim lembrou de ter visto alguma coisa parecida com isso num circo...Ela já tinha ido num circo? ai...ela não se lembrava! Bem, mas isso não era importante...
Debaixo do equilibrista sempre tem uma grande rede, para eles não caírem no chão. Uma grande ideia essa!
A ideia ela tinha, só faltava agora a rede...Onde mesmo que ela viu alguma coisa parecida?
Enquanto senhora Heliodora ( porque ela era muito elegante para ser chamada de dona...é o que ela sempre dizia), tentava lembrar, Beto tentava se equilibrar e Anita, coitada, tentando não desmaiar.
E as mãos de Beto só escorregando...
quinta-feira, 4 de junho de 2015
sábado, 23 de maio de 2015
o barulho do coração
Já fazia algum tempo que Beto estava ali, no alto da árvore, os pés suspensos no ar, soltos e invisíveis para quem estava ali embaixo. Ninguém tinha a curiosidade de olhar para cima, nem para as nuvens ou para a despedida do sol nas tardes de chuva. As pessoas andavam sempre apressadas andando com a cabeça baixa, ou distraídas demais para repararem que acima delas tinha um menino se escondendo de sua própria timidez. Não desconfiavam de nada, não tinham tempo para isso...
Beto tentava adivinhar os pensamentos de Anita quando lesse a sua carta, seu poema escrito numa noite de lua cheia. O que Anita ia pensar, será que ela tinha gostado? E como ela saberia que foi ele que escreveu aquela carta? Não teve coragem de assinar, aí, essa timidez que atrapalhava tanto a sua vida de enamorado...
Ficou ali, vendo as pessoas andando de um lado para o outro, os amigos perguntando por ele, os cachorros latindo, os velhos jogando dominó e...no meio disso tudo, Anita! De repente o silêncio veio e não se ouviu nenhuma voz, nem o latido dos cachorros, nem os gritos dos moleques. Só o coração de Beto batia, e esse era um barulho só , imenso, que o mundo inteiro estava ouvindo.
Anita estava no centro daquele mundo, e tudo de repente estava suspenso no ar, e então ela olhou para cima. E pela primeira vez Beto sentiu medo de altura.
Não foi o vento que contou o segredo de Beto. Anita sempre soube a resposta.
Anita estava no centro daquele mundo, e tudo de repente estava suspenso no ar, e então ela olhou para cima. E pela primeira vez Beto sentiu medo de altura.
Não foi o vento que contou o segredo de Beto. Anita sempre soube a resposta.
domingo, 5 de abril de 2015
A Cidade Escura
Existe uma cidade que é totalmente escura, que dorme numa noite infinita sem lua e sem estrelas. Uma cidade que de tão pequena não tem nem nome, e que ficou conhecida apenas como A Cidade Escura. A única coisa branca que existe na Cidade Escura são as nuvens transparentes de neblina, que descem a horas certas nos telhados das casas, nos sinos das igrejas, nos campos de flores e nos cabelos das moças solteiras. Quando a nuvem branca chega, todos já sabem que são horas de dormir, porque o dia seguinte será outro sem luz, sem cores.
São infinitas noites sem lua, onde todos tem a mesma hora de dormir e acordar, Adivinham a hora de despertar pelo vento frio que entra pelas frestas das janelas, sussurrando "levanta,levanta", fazendo cócegas com seus sopros gelados, provocando até os mais preguiçosos a sair da cama quentinha.
As folhas entram pelas janelas , pousam na mesa, entram nas xícaras de café. É outro dia que começa.
As pessoas que vivem na Cidade Escura não são tristes por não conhecerem o sol e seus desenhos de sombras. Desde sempre se acostumaram com as sombras da noite, porque elas mesmas se transformaram em sombras. Se conhecem pelas vozes, pelos sons dos passos, pelas risadas. Não se preocupam muito com a combinação de cores ou se a vestimenta é bonita ou feia, na escuridão, são todos iguais. As moças gostam de sair com seus cabelos soltos ou de deixá-los serem despenteados pelas brincadeiras do vento. Se apaixonam pela voz do amado. Eles, por sua vez, gostam da maciez das mãos das amadas.
As crianças brincam de correr atrás de sombras ou de encontrá-las em esconderijos secretos.
Mas um dia, um cometa rasgou o céu. Um risco inteiro e dourado a cortar o céu escuro.Todos os olhos colados naquele imenso risco desenhado por um cometa.
E pela primeira vez viram outras cores,viram como são feitos os sorrisos, de como são feitas as lágrimas.
O cometa foi embora e trouxe a escuridão de volta. Mas nada seria como antes. Nunca mais.
segunda-feira, 30 de março de 2015
a faxina da Rainha Margô Maluca
Dentro daquela pequena casa perdida no meio da floresta, saía cortinas de poeira.As janelas que há tempos não eram abertas, agora deixavam a poeira ganhar o céu. Lá dentro da pequena casa, era barulho só, coisas atiradas para todos os lados, e gente cantando. Gente cantando? Sim, cantando!
Rainha Margô Maluca experimentava fazer faxina pela primeira vez na sua vida, e estava achando muito divertido. Ora! Era muito simples: precisava apenas colocar as duas cadeiras ( é, naquela casa só tinha duas cadeiras, e uma era manca ) em cima da pequena mesa, afastar o sofá rasgado pra fora, e abrir os armários e tirar de lá as poucas louças que tinha lá dentro. Tudo, claro, sem deixar a elegância de rainha de lado. Bem, só precisava saber se o ranzinza do Jerônimo ia gostar.Mas isso seria deixado para depois, porque tanto fez que conseguiu convencer o velho sair para comprar chá. E como ela não conseguia ficar sem fazer nada, a não ser espirrar ( ó era tanto pó que a coitada não conseguia ficar um minuto sem espirrar!) que, bem, não custaria nada dar uma varridinha, mas daí, ela foi se empolgando, empolgando, e agora, estava tudo assim: empoeirado e de pernas para o ar!
Se Jerônimo encontrasse a casa dele naquela situação, ele arrancaria os poucos fios de cabelo e ia ficar muito bravo...
Rainha Margõ Maluca não achava que era tão complicado assim, mas era tanto pó, que ela mal conseguia enxergar as coisas e espirrava tanto que parou de cantar.
Então ela teve uma ideia que achou incrível: ia colocar todas as coisas lá fora, até a cortina de poeira desaparecer.
Mas o sol estava indo embora, e Jerônimo chegando. E com certeza ele não ia achar muita graça em dormir á luz da lua. Não mesmo...
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