segunda-feira, 29 de julho de 2013

Jerônimo




Há muito tempo que o silêncio vivia naquele castelo. Ás vezes, nas frestas das portas e nos cantos das janelas , entrava uns rabiscos de sol , que ficavam desenhados no chão empoeirado daquele castelo solitário. Não havia passos de dança, nem música para mexer o corpo, não tinha barulho de coisas caindo, nem de água borbulhando na chaleira. O vento não fazia brincadeiras nas cortinas rasgadas, porque as janelas viviam fechadas, os parafusos enferrujaram. A porta não se abria, porque nunca mais recebeu uma visita.Os passos que andavam lá dentro, se arrastavam em chinelas de pano. Só o ruído da cadeira de balanço se fazia ouvir naquele deserto escuro que era aquele castelo. Nhém,nhém,nhémmm. Barulho baixinho que fazia o senhor de barbas longas e corpo magro dormir dias inteiros e ficar a contar as estrelas a noite. Contava as gotas de chuva que caía no telhado, fechava os olhos e contava: uma, duas, três...três mil e uma gotas, três mil e duas... assim, como se fosse possível contá-las e passava o tempo a imaginar a chuva, porque não queria abrir as janelas de parafusos enferrujados.
A primeira a ir embora foi a esposa  . Depois, os empregados, os bichos, as vozes e até o barulho. Ficou sozinho com sua rabugice, grosseria, egoismo e a falta de vontade de ser agradável. Ficou sozinho com a mania de contar as coisas incontáveis.
E debaixo das gotas infinitas de chuva,com a cabeleira molhada e desmanchada , os sapatos vermelhos transformados em lagos, chegava a Rainha Margô Maluca, com sua incontida alegria, seus gestos largos, sua risada barulhenta - ingredientes perfeitos para estragar qualquer mundo chato.
O mundo do velho Jerônimo estava prestes a se transformar.


( ilustração Kestutis Kasparavicius )