quarta-feira, 23 de abril de 2014

o desaparecimento da senhora Heliodora


A senhora Heliodora penteou o cabelo, que era bem branquinho, colocou os óculos de aros vermelhos, escolheu um vestido xadrez , pegou sua bolsa Luis Voatoa , deu uma olhadinha no espelho e saiu . Cumprimentou dona Maria Julieta, que estava aguando as flores no jardim, sorriu para o neto da dona Eduardina, brincou com o cachorro do seu Felipo e disse algumas coisinhas pra ele. Dobrou a esquina, passou na quitanda do seu Frederico,onde comprou quatro maçãs, uma pera, uma cabeça de alface e dois dentes de alho. Saiu dando adeusinho e dizendo que o dia estava lindo. Entrou no ônibus Jardim Azul 488 e...nunca mais foi vista. Sua casa está apagada desde o dia em que saiu e não voltou mais. A grama secou, as flores morreram. Os passarinhos foram embora, as gaiolas estavam com as portinholas abertas.
Dona Maria Julieta tem certeza que ela usava um vestido xadrez, mas o seu Felipo já acha que era listrado de amarelo e que ela combinava muito com aquela estampa. Não lembra o que conversaram, porque sua memória anda apagando coisas. Mas gostavam de conversar  sobre receitas que passam na televisão. Eram fãs da Anamaria Praga, não perdiam um programa dela. Bem, mas naquela manhã, perderam. Ela saiu mais cedo e ele, preferiu sair com o Doguito, seu cachorro.
Dona Eduardina , avó do pequeno Alonso, disse que ela estava muito elegante aquela manhã, de casaco e tudo, não viu que estampa era o vestido.Mas tem certeza que ela usava um casaco. Embora estivesse um dia lindo de céu claro. Naquele dia, não conversaram porque ela parecia estar com pressa, mas parou um pouquinho para conversar com Alonso, que gostava dela porque sempre ganhava balas. Viu que ela dobrou a esquina e foi embora.
Foi seu Frederico, dono da quitanda, que a viu entrando no ônibus Jardim Azul 488, reparou nisso porque a acompanhou até a calçada e a viu correndo com seus passinhos miúdos e fazendo sinal com os braços fininhos para que o ônibus parasse. Foi ele o primeiro a falar da bolsa Luis Voatoa, porque é bem reparador de detalhes. Sobre a compra, lembra de cada item, porque  anotou num bloquinho, dona Heliodora ia pagá-lo depois, como sempre fazia.Sim, ela estava de casaco, embora estivesse aquele calorão.
Para onde foi a senhora Heliodora ? Por que sumiu e nunca mais deu notícias ?
No ônibus ninguém a viu, nem com casaco, nem bolsa Luis Voatoa, nem com cabeça de alface... As pessoas não costumam olhar para o lado, a reparar nos outros, a ver se tem alguém triste ou perdido por perto. Depois que ela entrou nesse ônibus, ela se tornou apenas mais uma pessoa. Mais uma pessoa indo para algum lugar.E que não voltou mais.
A senhora Heliodora virou um mistério.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

como escrever uma carta de amor




_Existe toda uma técnica em escrever cartas românticas Beto, eu sou um especialista em escrever cartas irresistíveis, a sua avó foi conquistada com apenas uma ! E eu sei, que até hoje ela guarda essa carta no nosso álbum de casamento. Eu sou o melhor, he he !
Beto não queria ter nenhuma técnica para escrever cartas e não sabia de onde o avô tinha tirado a ideia de que ela seria romântica... Ele queria escrever uma carta para Anita, mas Só porque ele andava muito mais distraído que sempre, esquecido dos afazeres e recados, tropeçando em esquinas e escadas, não queria dizer que ele estava apaixonado, apenas atrapalhado, oras, quem nunca passou por momentos de "atrapalhamentos"? Beto, além de ficar com a cabeça nas nuvens, também adorava rimar e inventar palavras - atrapalhamento- era uma delas.
 E esquecimento era outra que vivia atrapalhando os planos do vovô Petrônio, é ele tinha esse nome estranho, mas inesquecível, que para disfarçar que estava procurando o bloco de papel e caneta, fez Beto despertar dos sonhos.
_Beto, adivinha onde o vovô colocou o bloco de papel!
Beto não precisava adivinhar, sabia onde os papéis moravam, na gaveta da escrivaninha, como sempre.
_Primeiro, você precisa pensar no que quer escrever, nos substantivos mais apropriados, nos adjetivos mais encantadores, aqueles que exaltam o coração, que fazem ele suspirar resplandecido de emoção, e que o amor fique enaltecido, entorpecido , enriquecido!
Beto adorava as palavras, mas aquelas que vovô Petrônio falava, estavam muito complicadas e pensou que se escrevesse do jeito que ele ensinava, Anita não entenderia nada, ou pior, desistiria de ler a carta, até dormiria, talvez achasse que era um problema de matemática!
Deixando as palavras do vovô Petrônio voarem pela janela, Beto pegou apenas algumas, escreveu -as no papel fininho, tentou caprichar na letra. Dobrou o papel. E vovô Petrônio lá falando, falando,falando que nem reparou que Beto já escrevia sua carta - que NÃO era romântica, oras... e guardou-a no bolso da calça.
_E então, ela ficará paralisada de tanta emoção!
Beto não queria ver Anita paralisada, queria ver pelo menos um sorriso! Talvez foi assim, com a vovó Filomena paralisada ,que o vovô Petrônio a pediu em casamento.
Com  a carta guardada  deixou vovô Petrônio com suas infinitas palavras complicadas voando com o vento. Um dia, quando tivesse coragem, ele ia entregar a carta para Anita. Mas isso...nem ele sabia quando seria...