terça-feira, 18 de março de 2014
o ladrão de beijos
Debaixo da sombra da árvore , as folhas caídas, e acima delas, os pés flutuantes de Anita. E entre Anita e o mundo existia o silêncio guardado. E para ouvir o barulho de alguma coisa, Anita pisou nas folhas secas, a brisa virou vento levando algumas folhas para longe e então Anita teve coragem de olhar para o lado. O coração parecia mais calmo agora, mas ainda estava assustado. Ou feliz? Sentado ao seu lado Beto olhava as folhas que dançavam com o vento. Será que ele também estava feliz? Ou assustado com o beijo que ele roubou? Será que agora ele era um ladrão de beijos? Essa ideia fez um sorriso nascer.
_Do que você está rindo Beto? de mim?
A voz de Anita , lembrou-se agora, era linda! era tão delicada, tão dela e agora tão sua...Mas Beto estava morrendo de vergonha, seu rosto queimava, ser um ladrão de beijos era algo muito recente...e estava na dúvida se ia cometer esse crime outras vezes...
_Não Anita, nunca vou rir de você...estava rindo de outras coisas. Ideias malucas que me enchem a cabeça, muitas coisas.
O vento bagunçava os cabelos de Anita, desfazia sua trança ruiva ,soltava os fios que dançavam diante do seu rosto sardento.
Agora era ela quem ria.
_E por que você está rindo Anita? De mim?
_Sim, é de você, seu bobo! Por tantas coisas que se passam por essa sua cabeça avoada, nunca reparou em mim. Levou tanto tempo para me roubar esse beijo! Para ser um bom ladrão de beijos, precisa estar acordado!
E antes que Beto sentisse a primeira gota de chuva, Anita saiu correndo , o cabelo todo livre.
( ilustração : Rebecca Dautramer )
segunda-feira, 3 de março de 2014
a memória do vovô
Eu não sei para onde vai a memória do vovô. De vez em quando ela sai para passear e deixa ele sozinho no meio de uma história que está contando. Ele fecha os olhos, aperta os dedos e tenta espremer as ideias de dentro da cabeça, e depois de muita procura e de nada achar ele diz: a memória me fugiu, não me lembro...E então a história fica com um buraco e aí ele começa outra história que vai ter outro buraco no meio.
Também esquece onde guarda os óculos, os livros, as chaves. E para isso teve uma ideia que ele achou ótima : não guarda mais nada, deixa tudo esparramado: na mesa, na cadeira que fica na varanda e até na piscina encontramos seu óculos boiando.
A memória do vovô também adora sumir quando ele vai cumprimentar alguém e como o nome não vem, ele manda aquele que ele acha mais bonito, aí a pessoa olha meio estranho, o vovô finge que não percebeu nada, estende a mão, dá um abraço e vai embora todo sorridente.
Quando vai fazer as compras da vovó é ainda pior, teimoso como é não quer anotar as coisas que tem que comprar , tem certeza que a memória precisa ser exercitada, mas preguiçosa do jeito que ela anda, nunca dá certo e quando ele volta do mercado cheio de frutas e doces e nada de arroz e feijão, vovó não acredita mais em memória fraca e fica bem brava com ele. Mas ele nem liga e fala que ela não sabe ver as coisas engraçadas da vida.
Meu avô é uma delícia! Ele esquece muitas coisas, mas nunca esquece de ser educado, de ser divertido e de ser feliz. Isso ele diz que não vai esquecer nunca. Espero que não.
ilustração Juan Faria :http://biblioabrazo.wordpress.com/2011/06/16/un-cesto-lleno-de-palabras-juan-farias/
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